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Sistemas eleitorais e representatividade

1. O VOTO PROPORCIONAL E OS PARTIDOS

As eleições no Brasil, quer sejam municipais, estaduais ou nacionais, são realizadas pelo sistema do voto proporcional, em que o percentual de votos válidos dividido pelo número de cadeiras disponíveis dá o “quociente eleitoral”, ou seja, o número de votos necessários para cada partido ou coligação fazer uma cadeira. Se um partido fizer três vezes o quociente terá três cadeiras, se não atingir o quociente, ficará sem representação, e assim por diante.

O quociente eleitoral cria alguns problemas para os partidos frente ao poder de voto dos seus candidatos, o que demonstra que o sistema de votação proporcional possui defeitos. Em Porto Alegre, por exemplo, em 1988 o ex-vereador Omar Ferri (na época no PMDB, hoje no PDT) elegeu-se vereador apesar de 90 candidatos com mais votos que ele não terem conseguido se eleger. Na mesma eleição, a atual deputada Jussara Cony (PC do B), não conseguiu se eleger vereadora, apesar de ter sido a candidata mais votada dentre todos os partidos.

Nas eleições municipais de 1992, em Porto Alegre, o candidato tucano Regis Gonzaga ficou como o 10º candidato mais votado, mas não conseguiu se eleger porque o seu partido, o PSDB, não conseguiu fazer nenhuma cadeira dentre as 33 da Câmara Municipal.Enquanto o PC do B, apesar de ser um pequeno partido, conseguiu eleger como vereadora a sua candidata Maria do Rosário como a 4ª mais votada, porque concorreu coligado e colocando só dois candidatos na televisão e no rádio.

Tais fatos ocorrem em função da soma dos votos da legenda ou da coligação, o que penaliza os candidatos bons de voto dos pequenos partidos, quando estes concorrem sozinhos.Ou premia candidatos que possuem poucos votos, mas que estando num pequeno partido, concorrem numa coligação e quase como candidatos nanicos do partido.

O voto proporcional dá também um poder maior ao interior em relação às grandes cidades.O deputado José Serra, do PSDB de São Paulo, lembra que um município de 130 mil eleitores do interior de São Paulo elegeu 4 deputados (2 estaduais e 2 federais), enquanto uma zona de 800 mil eleitores da Capital não elegeu nenhum. Isto ocorre porque nas grandes cidades o voto é pulverizado. Nelas só existem jornais de circulação estadual, as pessoas gastam horas no deslocamento entre a casa e o trabalho, e não conhecem sequer o vizinho. Em contrapartida, no interior todos se conhecem, e os jornais e canais de TV são locais.

Considerando-se o percentual da população brasileira que vive nas capitais, ~ preocupante tal deformação. Como o político interiorano tende a ser mais conservador que o dos grandes centros urbanos, isto talvez explique porque o perfil do nosso Congresso está aquém da sociedade civil organizada.

2. PODER DA MIDIA E O VOTO PROPORCIONAL

            Outro problema do voto proporcional é o de exigir que os partidos lancem como candidatos nomes conhecidos do grande público, mas nem sempre os melhores indicados por competência técnica, política e mesmo moral. Isto cria uma hegemonia natural dos comunicadores, o que é uma distorção preocupante, considerando-se que os profissionais de comunicação estão super-representados no poder, e os repórteres, em função disto, querem aparecer mais do que a noticia.

Só no Rio Grande do Sul temos na política, oriundos dos meios de comunicação ou jornalistas, o senador José Paulo Bisol (PSB), o ex-presidente da Câmara Federal Ibsen Pinheiro (PMDB), o ministro Antonio Britto (PMDB), o candidato a candidato a governador Mendes Ribeiro (PMDB), e os deputados Adroaldo Streck (PSDB) e Amaury Muller (PDT). .Na Assembléia Legislativa temos ainda os deputados Francisco Appio (PDS), Wilson Mânica (PDS), Sergio Jockymann (PDT), José Glei Santana (PDT), Marcos Rolim (PT) e Sergio Zambiasi (PTB).

Ocorre ainda no sistema proporcional de os comunicadores bons de voto carregarem nas costas outros candidatos, que sozinhos jamais se elegeriam. O deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB) elegeu-se na carona do prestigio do pai, e o deputado Sergio Zambiasi com a sua votação elegeu mais 7 deputados do PTB, partido que sem o Zambiasi dificilmente existiria no RS. Por isto é um absurdo que, após eleitos, muitos destes políticos comunicadores continuem a exercer a profissão de jornalista, com acesso privilegiado à mídia, ainda mais sendo os meios de comunicação no pais uma concessão do Estado.

A mídia, ao criar figuras míticas e carismáticas, permite que alguém venha a integrar uma chapa majoritária apenas por ser conhecido, como a ex-candidata a vice-governador da Unido por um Novo Rio Grande, a apresentadora de televisão Maria do Carmo. Ou que se eleja Presidente da República um candidato sem partido, mas dono de um canal de televisão, como Collor de Mello.

A Globo, ao montar o debate final entre Collor e Lula na campanha presidencial, tornou-se a principal fiadora da eleição de Collor, para mais tarde, junto com o resto dos órgãos de comunicação, ser também a grande responsável por sua queda e renúncia. Deveria ser considerado crime a grande imprensa maquilar um debate político visando favorecer um dos interlocutores dele.

A história mostra que figuras carismáticas, com respaldo popular ou das armas, podem levar a aventuras ditatoriais. Se o ex-presidente Collor tivesse um mínimo de apoio popular ou militar, o desfecho da crise política poderia ter sido outro, e até trágico.

3. VOTO PROPORCIONAL NO BRASIL

No Brasil o voto proporcional é distorcido pelo Art. 45 da Constituição Federal que estabelece um número mínimo de 8 e máximo de 70 deputados para cada Estado, e ainda um mínimo de 4 deputados para cada Território da Federação.Na verdade permanece vigente o teto máximo de 60 deputados por Estado, porque o que a Constituição estabelece depende da elaboração de lei complementar. Assim a distorção é ainda maior e repercute nos Estados, pois estes compõem suas bancadas nas Assembléias Legislativas como triplo do número da representação do Estado na Câmara Federal.

                        Por exemplo: para um deputado se eleger em São Paulo, necessita aproximadamente de 300 mil votos, enquanto o traficante Jabes Rabelo elegeu-se deputado federal por Rondônia com pouco mais de 10 mil votos.Um voto em Roraima vale 34 de São Paulo, 20 do Rio Grande do sul, 19 de Minas e 18 do Paraná.Um voto no Acre vale 13 de São Paulo, 8 do Rio Grande do Sul e Minas, e 7 do Paraná, e assim por diante, o que d~ um enorme poder ao Norte e Nordeste em relação aos Estados do Sul e Sudeste.

Isto se reflete na repartição das verbas da União para os Estados, quando da votação do Orçamento Anual do Governo, na distribuição de cargos públicos nos diversos escalões governamentais e, por conseqüência, no perfil ideológico do Congresso e no desenvolvimento global do pais.As regiões menos populosas do Brasil são tradicionalmente conservadoras, possuem em geral uma maneira clientelista e paternalista de fazer política, herdeira do coronelismo e de seus currais eleitorais.Assim aprova-se propostas que beneficiam minorias em detrimento da maioria, como a zona franca de Manaus prejudicando as indústrias paulistas, ou como o salário mínimo nacional, sempre puxado para baixo pelos deputados do Norte e Nordeste.

E não será fácil mudar isto, pois aqueles que teriam de aprovar a mudança são os mesmos que lucram coma manutenção do estado atual de distorção da representação política. Talvez somente com uma posição forte dos partidos, fechando questão sobre a matéria e exigindo fidelidade partidária, unida à pressão popular e dos Estados prejudicados, possamos reverter tal quadro.

4. VOTO DISTRITAL

Pelo sistema de voto distrital ou majoritário, para as eleições municipais o território brasileiro seria dividido em pequenos distritos, e cada partido apresentaria um candidato em cada um deles, elegendo-se o mais votado no distrito.No caso das eleições estaduais e federais, os distritos deveriam ser maiores, segundo o total de cadeiras a ser preenchido nas Assembléias Legislativas e na Câmara Federal.

O primeiro problema de tal sistema é o da divisão dos distritos. Se tal divisão obedecer a critérios territoriais, como municípios ou bairros, teremos um problema de proporcionalidade. Não havendo o mesmo número de eleitores em cada distrito, para se eleger um candidato necessitará mais votos num distrito que em outro, criando a mesma distorção que há na distribuição de cadeiras da Câmara Federal no sistema proporcional vigente no Brasil de hoje.

Para impedir tal distorção, obrigando que o voto do eleitor de um distrito tenha o mesmo valor que o voto dos eleitores dos demais distritos, teremos que dividir os distritos pelo critério do número de eleitores e não pelo territorial. Porém, tal exatidão matemática é praticamente impossível num pais das dimensões do Brasil, obrigando a uma divisão aproximada, injusta sob a ótica da divisão proporcional do poder.

5. VOTO DISTRITAL E OS PARTIDOS:

Outro problema do voto distrital é o de que os votos dos candidatos vencidos não são computados para os partidos, o que não garante o maior número de cadeiras ao partido mais votado.

                        Na Inglaterra em 1974, os Conservadores obtiveram 38,1% dos votos e 296 cadeiras, os Trabalhistas fizeram 37,2% dos votos e 301 cadeiras, enquanto os Liberais com 13,3% dos votos ficaram com apenas 14 cadeiras no Parlamento, ou seja, com 2,2% das mesmas.

Tal lembrança reforça a tese de que o voto distrital enfraquece os pequenos partidos. Ele permite ainda, ao menos teoricamente, que um partido, mesmo sendo o segundo mais votado em todos os distritos de um país, fique sem representantes, apesar de ter milhões de votos. Por isto se diz que o voto distrital favorece o bipartidarismo e o partido que está no poder.

Alude-se também ao fato de que, sendo os candidatos distritais, os eleitos vão ter como preocupação principal problemas locais e regionais, e não as grandes questões nacionais. Isto traria ao centro da política nacional o coronelismo ultrapassado, através da reedição dos currais eleitorais, dando força ao corporativismo e às oligarquias.Além do que, pode um distrito com 40% da população petista, por exemplo, ter como representante um deputado do PDS.

São virtudes do voto distrital um compromisso maior com o eleitor, e uma maior participação deste no processo eleitoral. O voto distrital define mais claramente a maioria, por conduzir a poucos partidos, o que fortalece o partido no poder, pois este nem sempre precisará de alianças para governar. A oposição tende em tal sistema a se restringir a um partido apenas, o que facilita o acesso da mesma ao poder.O sistema majoritário distrital deve diminuir a demagogia e restringir o populismo a alguns redutos, apesar de tender a uma política de clientelismo. Em tal sistema os candidatos comunicadores se elegeriam apenas nos seus distritos, não carregando nas costas outros candidatos, o que restringiria também o poder da mídia.

6. VOTO DISTRITAL MISTO

Devido aos problemas já levantados dos sistemas eleitorais proporcionais e distritais majoritários, é que vem crescendo no Brasil a proposta do chamado voto distrital misto. Há dois projetos mistos em discussão: o primeiro já é adotado na Alemanha, e o segundo foi proposto pelo ex-ministro Oscar Correa.

No sistema alemão cada eleitor no seu distrito vota em dois candidatos. Vota primeiro no candidato do seu partido no distrito ou em algum outro candidato distrital que julgue ser melhor, mesmo que de outro partido. O segundo voto ele escolhe de uma lista nominal de candidatos gerais do seu partido.O primeiro voto é distrital e o segundo proporcional, devendo cada metade das cadeiras disponíveis serem preenchidas por cada um dos sistemas.

A proposta de Oscar Correa é de que o eleitor no distrito vote em apenas um candidato, o do seu partido no distrito.Mas de modo que o preenchimento das cadeiras disponíveis se dá proporcionalmente, segundo uma ordem geral de votação dos eleitos nos distritos, porém por percentual e não por índice quantitativo.

7. CONCLUSÃO

O voto proporcional existe no Brasil, Itália, Espanha e Portugal.O distrital existe na França, U.S.A. e Inglaterra, e o voto distrital misto na Alemanha.No Brasil existe uma tendência majoritária entre os parlamentares pelo sistema eleitoral alemão, apesar da oposição dos pequenos partidos.

Considerando-se que nenhum sistema é perfeito e que os modelos extremos são mais problemáticos que o híbrido, por deformarem mais, tendemos para o voto misto.

Polêmica, contudo, é a questão de um percentual mínimo de votos por partido para que este possa ocupar cadeiras, e de que só possa lançar candidaturas majoritárias partidos com assento no Legislativo. É preciso definir isto de modo a acabar com as siglas de aluguel, mas sem atentar contra os direitos das legítimas minorias.

Resta ainda a questão da forma de governo, que independe do sistema eleitoral, mas também não se separa dele, já que um parlamentarismo com distorções na distribuição do poder entre os Estados e os eleitores, fatalmente levará a crises políticas indesejáveis e a um governo não plenamente representativo da Nação.

Esperemos que os políticos brasileiros consigam implantar um sistema político mais justo e melhor, que permita efetuar as transformações sociais e econômicas que todos desejamos. E que em nosso país se aprenda, finalmente, a rimar política e ética, honestidade e representatividade, desenvolvimento econômico e comprometimento social. Enfim, que o Brasil não perca o trem da história e nem deixe de fora dele o seu povo: diligente, indigente e esperançoso.

Porto Alegre – 1991